O artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece uma ação administrativa prevista no artigo 269, que consiste na “realização de teste para medir a quantidade de álcool no sangue ou perícia de substância psicoativa que cause dependência física ou psicológica” (item IX) Esta medida é implementada pela autoridade de trânsito ou seus representantes dentro de suas competências
É relevante notar que a palavra “entorpecente”, anteriormente presente no artigo 269, foi substituída pelo termo “psicoativa” nos artigos 165 e 277, abrangendo de forma mais ampla as substâncias com essa característica
Essa alteração foi feita pela Lei nº 12760/2012 e se soma a outras mudanças que o dispositivo sofreu anteriormente, devido às Leis nº 11275/2006 e 11705/2008, resultando em uma redação que pode gerar alguma confusão Isso ocorre porque o § 3º, introduzido pela Lei 11705/2008 e que estabelece a “multa por recusa”, entra em certo conflito com o § 2º, que permite a configuração da infração com base em outras evidências
Art 277 – Capítulo XVII – DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS
O condutor de veículo automotor envolvido em sinistro de trânsito ou que estiver sujeito a fiscalização poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, conforme regulamentado pelo Contran, permita certificar a influência de álcool ou outra substância psicoativa que cause dependência (Redação dada pela Lei nº 12760, de 2012)
§ 1º (Revogado) (Redação dada pela Lei nº 12760, de 2012)
§ 2º A infração prevista no art 165 também pode ser caracterizada por imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, conforme regulamentado pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas admitidas em direito (Redação dada pela Lei nº 12760, de 2012)
§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas previstas no art 165-A ao condutor que se recusar a qualquer dos procedimentos do caput deste artigo (Redação do § 3º dada pela Lei nº 13281, de 2016)
Os exames mencionados no artigo 277 são detalhados pela Resolução do CONTRAN nº 432/2013 e incluem:
1 Exame de sangue;
2 Exame em laboratórios especializados para substâncias psicoativas;
3 Teste de ar alveolar (realizado com etilômetro, popularmente conhecido como “bafômetro”);
4 Verificação de sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora, por exame clínico feito por médico perito ou constatação objetiva do agente de trânsito
Os sinais de alteração na capacidade psicomotora, conforme a Resolução nº 432/13, incluem:
1 Visual: sonolência, olhos avermelhados, vômito, soluços, desalinho nas vestes e odor de álcool na respiração;
2 Comportamento: agressividade, arrogância, exaltação, ironia, fala excessiva e dificuldade de concentração;
3 Orientação: consciência do local, percepção de data e hora;
4 Memória: conhecimento do próprio endereço, lembrança das ações realizadas;
5 Habilidade motora e verbal: instabilidade física e alterações na fala
A análise desses sinais é bastante subjetiva e precisa de aprimoramento, já que o § 2º, com a redação da Lei nº 12760/2012, confere ao CONTRAN a responsabilidade de identificar sinais concretos que realmente refletem a alteração na capacidade psicomotora do motorista, indo além de aspectos ligados ao vestuário ou atitude do examinado, que podem ser inerentes à sua personalidade
O § 3º do artigo 277, adicionado pela Lei nº 11705/2008, conhecida como “lei seca”, inicialmente previa a aplicação das mesmas penalidades e medidas administrativas ao motorista que se recusar a realizar os testes de alcoolemia, como para aqueles que comprovadamente dirigem sob efeito de álcool (artigo 165)
Esse dispositivo normalmente suscita dúvidas durante abordagens de trânsito, gerando até uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em análise pelo Supremo Tribunal Federal – ADI 4103 Desde novembro de 2016, foi introduzida uma infração específica, conforme explicado a seguir
A principal objeção à “multa pela recusa” baseia-se na ideia de que “ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo” Esta alegação é comumente apontada como um direito constitucional, mas é importante esclarecer:
1 A Constituição Federal não apresenta uma disposição EXPRESSA sobre isso;
2 Esse direito deriva do direito à não autoincriminação e do princípio da presunção de inocência (Artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), complementado pelo artigo 8º, 2, g) do Pacto de São José, da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), que afirma que “Toda pessoa acusada de um crime tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpa seja legalmente comprovada” Durante o processo, toda pessoa tem o direito, em total igualdade, às garantias mínimas, incluindo o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma ou confessar-se culpada;
3 Apesar de ser um tratado internacional assinado pelo Brasil, focado em direitos e garantias fundamentais, sua validade no Brasil NÃO EQUIVALE a emendas constitucionais, pois não foi aprovado pelo quórum privilegiado descrito no § 3º do artigo 5º da CF/88: “Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos de seus respectivos membros, terão status de emendas constitucionais” (incluído pela Emenda Constitucional n 45/2004)
Esse é um tema complexo e, naturalmente, não se esgota com comentários breves Contudo, é importante ressaltar que a submissão aos testes de alcoolemia é, mais do que uma OBRIGAÇÃO, um DIREITO de todo cidadão para comprovar que não está sob a influência de álcool Portanto, em vez de afirmar que o motorista “não é obrigado a criar prova contra si mesmo”, é mais adequado defender que ele “tem o direito de fornecer provas em seu favor”
Apesar de o Departamento Nacional de Trânsito ter estabelecido um código específico para registrar essa conduta e emitir notificações de trânsito (Portarias n 219/2014 e atualmente 03/2016), diferenciando-a da multa por embriaguez, alguns argumentaram que o § 3º do artigo 277 não era uma infração de trânsito, já que não estava no Capítulo XV do CTB (essa alegação pode ser facilmente refutada, uma vez que não é um caso isolado, ocorrendo também com a previsão de multa por publicidade irregular, realização de obras ou eventos sem autorização, ou falta de registro nos livros de controle de placas de aprendizagem, previstos nos artigos 77-E, 95 e 330)
Para resolver essa questão, o legislador introduziu o artigo 165-A (Lei nº 13281/2016), que passou a penalizar aqueles que “se recusam a submeter-se a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita verificar a influência de álcool ou outra substância psicoativa, conforme estabelecido no art 277”, com as mesmas consequências legais atribuídas ao condutor sob influência de álcool Assim, temos agora duas condutas distintas formalmente listadas no Capítulo de infrações de trânsito: a influência de álcool (ou substância psicoativa) e a recusa aos testes
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