O artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é o ponto de partida da Seção II do Capítulo XIX, focado nos crimes relacionados ao trânsito, abordando a conduta negligente que resulta na morte de outra pessoa ao operar um veículo motorizado.
A redação enfatiza que a conduta passível de punição é causar a morte de alguém, ao contrário do erro de terminologia usado pelo legislador, que menciona equivocadamente o homicídio. Para entender corretamente a aplicação desta legislação, é crucial, primeiramente, compreender o que é homicídio (definido no Código Penal, artigo 121, como “matar alguém”) e, em seguida, conhecer o conceito de crime culposo (artigo 18, inciso II, do Código Penal, que ocorre quando o agente causa o resultado por imprudência, negligência ou falta de habilidade, sem intenção de causar a morte da vítima).
Art. 302
Capítulo XIX – DOS CRIMES DE TRÂNSITO
Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:
- I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
- II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
- III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do sinistro;
- IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.
§ 3º Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Para que o crime descrito no artigo 302 seja configurado, duas condições são necessárias:
- Ausência de intenção deliberada em causar a morte;
- A ação deve ocorrer durante a condução de um veículo automotor.
Importante frisar que, se o infrator teve a intenção de causar o resultado ou assumiu o risco para tal, a sanção é regida pelo artigo 121 do Código Penal, que prevê reclusão de seis a vinte anos, e não pelo artigo 302 do CTB.
A “suspensão ou proibição de obter permissão ou habilitação para conduzir veículo automotor” é uma pena judicial, que varia de dois meses a cinco anos, de acordo com artigos 292 a 296, distinta da suspensão administrativa.
Embora o artigo 291 determine que as regras gerais do Código Penal se aplicam aos delitos de trânsito, prevalece uma interpretação que admite a aplicação do perdão judicial do Código Penal ao homicídio culposo de trânsito, conforme § 5º do artigo 121: “No caso de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem gravemente o próprio agente”.
O § 1º do artigo 302 lista quatro fatores que agravam a pena, destacando a omissão de socorro. Esta omissão resultando em aumento da pena impossibilita a caracterização isolada do crime específico de omissão de socorro (artigo 304 do CTB) que só se aplica se o condutor não foi o responsável pela morte.
A inclusão do § 3º pela Lei n. 13.546/17 é uma mudança notável, destinada a agravar a pena para motoristas que, sob a influência de álcool, causam mortes no trânsito. Na discussão sobre a condução sob influência de álcool e a morte resultante, recorremos a algumas mudanças passadas no CTB:
- Entre 2006 e 2008, a embriaguez do condutor era um fator para aumento de pena para homicídio culposo (artigo 302, § 1º, V) e lesão corporal culposa (artigo 303, parágrafo único), revogado em 2008.
- Entre 2014 e 2016, a morte causada por motorista alterado psicomotoramente foi considerada homicídio culposo qualificado, modificando a pena para reclusão, mas não afetando a extensão da pena, revogado em 2016.
Há divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre dois pontos referentes à punição ao motorista que causa morte após ingerir álcool:
- O homicídio causado por condução alcoolizada é culposo ou doloso? Alguns defendem que motoristas alcoolizados que causam mortes deveriam ser acusados de homicídio doloso (artigo 121 do CP), sujeito a penas de reclusão de 6 a 20 anos.
- Sobre a consunção ou acumulação de crimes: se acontecem juntos, um absorve o outro? A literatura mostra abordagens para ambos os casos.
Com a teoria da consunção, o crime de condução sob efeito de álcool não é penalizado isoladamente; prevaleceria apenas o homicídio. No concurso material, a pena pode chegar até 27 anos, dependendo do dolo eventual.
Com um enfoque mais rigoroso, poderíamos alcançar punições mais severas para motoristas embriagados sem alterar o CTB, bastando uma interpretação jurídica mais rigorosa. Contudo, a inclusão do § 3º estipula uma pena mais rígida para homicídio culposo com embriaguez, tornando certas considerações triviais:
- Esta situação não pode mais ser considerada crime doloso, pois a própria lei definiu como forma qualificada de crime culposo.
- Também não se aplica o concurso material, tornando o crime de embriaguez subsidiário assim como a omissão de socorro.
A mudança no artigo 302 não deve ser vista como um benefício estritamente positivo, podendo impactar casos já julgados segundo teorias anteriores.
Finalmente, a redação “suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” no § 3º inclui palavras extras desnecessárias.
Conclusão
O artigo 302 trata do crime de homicídio culposo no trânsito, com penas aplicadas a pessoas que causam mortes ao dirigir de maneira negligente ou imprudente. As mudanças mais recentes, especialmente relativas à condução sob efeito de álcool, enfatizam uma postura mais rigorosa diante da segurança viária.